
Envolvida em múltiplas atividades, infelizmente não me sobra tempo para exercitar a reportagem, diversificar as fontes das minhas matérias (ou release, como queiram) , enfim, ir onde está a notícia, cheirar, pegar, certificar-se e desconfiar de tudo que não deveríamos aceitar de bate pronto nos relatórios e declarações anacrônicas.
Quando a oportunidade surgiu, agarrei-a com blocos, caneta, máquina fotográfica, gravador, teclado e monitor. Um projeto de transferência de tecnologias agropecuárias aplicado nas cinco Escolas Famílias Rurais do Amapá possibilitou que eu conhecesse, in loco, as diferenças de estruturas destas escolas, o funcionamento e o contato direto com professores, agricultores e jovens aprendizes do curso técnico em agropecuária.
É um celeiro de pautas esse interior do Amapá. Compartilho aqui curiosidades anotadas durante as andanças pelas escolas famílias rurais. Espero servir como sugestão para os colegas das redações, e para que eu fique à mercê dos elogios e das críticas.
Escola Família do Carvão
Fica no município de Mazagão. Como se fôssemos para a cidade, pegamos as duas balsas e depois o atalho do ramal da comunidade Cedro. Nesta época, de verão, muita poeira. Se fosse no primeiro semestre, muita lama. A Escola é bem estruturada, tem até internet via rádio para as crianças, energia elétrica e água tratada após captada do poço. Anotei e fotografei muitos fatos que não entraram no informativo do projeto, mas que merecem registro pelo valor de notícia jornalística e como documento deste momento da escola. A criação de suínos é um deles.
Foi um prazer reencontrar seu Tomé de Souza Belo, fundador da Escola Família do Carvão. Eu ja o conhecia de uma cerimônia de assinatura de convênio na Embrapa. Um senhor risonho de 72 anos, agricultor desde criança e cheio de histórias para preencher duas, três páginas de jornal.
Antes de falar do Tomé, é preciso dizer que Escola Família do Carvão é uma espécie de espelho para a comunidade. A maioria dos jovens alunos são filhos de agricultores da redondeza. E tudo que aprendem na escola levam para aplicar nos terrenos dos pais, porque é assim o método pedagógico da alternância, aplicado nas escolas famílias.
O prestígio que a escola consolida a cada dia para a comunidade tem como um dos personagens o próprio Tomé de Souza Belo. Ele nasceu num braço do rio Mutuacá (Mazagão), em 1935. Portanto, o Amapá era território do Estado do Pará. “Por isso sempre digo que sou paraense e amapaense ao mesmo tempo”, diz o produtor, gargalhando.
Tomé aprendeu cedo que para ter alimento em casa precisava cultivar mandioca, feijão e arroz. “Era uma tradição plantar, senão ninguém comia. Era difícil comércio destas coisas”. O estudo também sempre atraiu Tomé. Em Mazagão Velho fez quatro anos do primário (na época era de cinco anos) e depois concluiu pelo Mobral. Quando a mãe ficou viúva, retornou com os filhos para o campo, onde Tomé ficou adulto. Seus olhos brilham quando diz que ao casar, já possuía lavoura de mandioca, milho, arroz. “Fui tendo meus filhos, 12 no total. E hoje são 27 netos e 9 bisnetos”.
Tomé foi um dos fundadores da comunidade do Carvão. Viu chegar a assistência técnica no campo, em 1976. Ele recorda que no começo os agricultores reagiram. Normal, eles tinham sua tradição de plantio. O agrônomo queria ensinar as técnicas da limpeza, rotação, tratos culturais, plantar mandioca em fileira dupla. “Aqui se plantava aleatoriamente, sem espaçamento definido, com ferro de cova em vez de enxada, que depois passou a ser usada”, recorda Tomé.
No início dos anos 80 chegou a Embrapa, na época um núcleo local do Centro de Pesquisa do Trópico Úmido (CPATU), o nome antigo da atual Embrapa Amazônia Oriental (sediada em Belém-Pará). A primeira aproximação foi em uma reunião no Colégio Diocesano, em Macapá. Tomé era um articulador do movimento de trabalhadores rurais, chegou a presidir por muito tempo o sindicato da categoria, e também ligado à Igreja Católica. Por sinal, ler a Bíblia sem óculos, sem dificuldade alguma para uma pessoa de 72 anos de idade, e jura que não tem diabetes, colesterol além do normal, pressão alta, ansiedade, essas coisas que afetam tanto a gente na cidade. De tão sereno e bem humorado, é visto como um verdadeiro vovô do campo, mas não abre mão de alertar para os princípios que fizeram valer sua fama de bom homem: sinceridade, dedicação ao trabalho, bom humor e respeito ao próximo.
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