9 de junho de 2008

Ouvir para enxergar

O ritmo da produção jornalística, para quem trabalha em Redação, é inconciliável com o tempo destinado a discursos solenes. Mesmo que sejam curtos - vale a sugestão de 5 minutos?, o senso comum nesta audiência especial é de que aquelas palavras todas, principalmente quando lidas, com todas as regras gramaticais respeitadas e expressões sempre polidas, geralmente "não rendem", ou seja, não contêm informações que possam subtanciar um lead.
Além de fé na vida, sempre tive a estranha mania - aos olhos do meus colegas - e a paciência sincera de prestar atenção no falatório de políticos, dirigentes de estatais e executivos. Ficava numa aflição danada quando não havia tempo para ficar na solenidade além do momento de gravar a entrevista - que, acreditem, não destoa mas passa bem longe do discurso.
Só que tem uma coisa, discurso falado (espontâneo, ensaiado ou lido) não se encerra em si. O discurso de um gestor público ou de um empresário é apenas uma das representações da sua forma de pensar a sociedade, os meios de produção, o papel da imprensa, a democracia, o capital financeiro e de falar o que ele pensa e sabe sobre a instituição que representa. É preciso avaliar, também, o que deixa de ser falado no discurso, e isso só é possível para o jornalista que se propõe a uma leitura mais ampla dos discursos possíveis, que estão presentes no grau de inserção da instituição em debates públicos e na forma com ela se comunica com seus públicos de interesse direto.
Tenho a tarefa de elaborar um roteiro do discurso de posse do meu chefe e, embora, isso não conste como atividade regular de assessor nos manuais, a prática ensina que, nós, jornalistas de assessoria, temos nesse nicho a ser conquistado. É só prestar atenção para ver que quase todas as matérias (com notícias) sobre o Presidente Lula são baseadas nos seus discursos, que por sua vez são roteirizados por uma equipe de jornalistas nomeados para esta tarefa. O que interessa é que tenha notícia, não importa se vier na bravata, na fala pausada, no susssuro, na polidez ou na fala escrachada. Quem fala tem que dizer e quem ouve tem que enxergar.

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