12 de junho de 2010

A química do amor

Porque hoje é Dia dos Namorados, o blog também fica romântico.

Por Affonso Romano de Sant’Anna


Ela disse:
- Escreve uma crônica sobre o amor, vai!
- Mas, não faço outra coisa - ponderei. Escrevo sobre o meu desesperado amor pelo Brasil, meu consolador amor pelos livros, meu amor pelas pessoas e paisagens desta cidade e até sobre o amor escrevo.

Mas o pedido "escreve uma crônica sobre o amor", coincidentemente, foi feito no dia em que anunciaram que a revista "Times" estava publicando uma revolucionária matéria explicando cientificamente o que é o amor. Anunciada com estardalhaço nos jornais e televisão, tal matéria prometia ser tão revolucionária quanto a descoberta da cura do câncer ou da AIDS. Seria o amor uma doença, cujas bactérias finalmente foram isoladas?

Lamento, mas devo informar-lhes que a matéria da "Times" é um blefe. Minha amiga Sofia matou na cabeça:
- Fizeram uma mistura de coisas que vêm sendo ditas sobre a química do amor há vários anos e apresentaram como nova. É um golpe jornalístico. Não tinham assunto e requentaram o velho com nova forma.
Fui aos alfarrábios e recortes. Era verdade. Isto que a revista americana estava alardeando tem já uns 20 anos. Quando lerem essa crônica e descobrirem isso lá em Nova York, o editor será posto na rua.

Afinal, o que dizia a revista?
Descreve o mecanismo químico que ocorre nos amantes quando se vêem ou se tocam. Constataram que a mudança de pulsação, de respiração ou ficar enrubescido etc., tudo isso se dá porque o cérebro secreta substâncias primas das anfetaminas, como a dopamina e a norepinefrina. Refere-se a reportagem ainda à feniletilamina, que começa a ser produzida sempre que a gente vê um joelho majestoso, uma coxa sublime, uma boca iridescente e aqueles cabelos esfogueados.

O diabo é que isto é que é dado como descoberta de Anthony Walsh ou Helen Fisher já estava no livro de Michael R. Liewbowtiz - "The chemistry of love", de vários anos atrás. Para ele, a química do cérebro é responsável por uma série de dificuldades amorosas. Isto de ficar se apaixonando logo à primeira vista, que se pensava ser uma leviandade, não passaria de uma certa característica química do cérebro. Ficar também na fossa depois de o amor acabar é outro defeito químico. Por isto, aliás, é que muita gente parte logo para umas bolinhas, para levantar o ego. Até mesmo essa mania de gostar de quem não gosta da gente tem lá suas razões químicas. E por aí ele vai avassaladoramente ponderando que mesmo essas paixões impossíveis que se tem por estrelas de cinema e televisão, isto, e até a paixão pelo patrão ou pela gerente, pelo professor ou professora, médica ou médico, tudo está explicado nessa química.

Quer dizer, os americanos estão tentando acabar com o amor há muito tempo. Se fosse no tempo da guerra fria, eu diria, como alguns nacionalistas remanescentes, que isto é um plano da CIA; estão tirando a única coisa que sobrou para os povos do Terceiro Mundo, o amor, o afeto, a paixão.

Com efeito, há cerca de 15 anos a National Science Foundation deu a uma professora de Minessota, Ellen Bercheid, US$ 84 mil para estudar o "amor romântico". Quem não gostaria de receber essa bolsa? Vejam, a professora Ellen ganhando uma nota para isso e a gente tentando entender o amor gratuitamente.
Eu faria mais barato. Eu, Camões, Shakespeare, Dorival Caymmi e qualquer compositor popular.

Se a questão, no entanto, é quantificar as emoções do corpo, podemos citar a Dra Martine Mourier numa tese que escreveu sobre o beijo. O que vocês estão pensando que é o beijo? Nada disto. Quando duas pessoas se beijam, cientificamente, ocorre o seguinte: o pulso passa de 70 para 150 batidas por minuto. Vinte e nove músculos entram em ação, dos quais 12 pertencem à língua. Os que se beijam trocam cerca de nove miligramas de água, 0,7 gramas de albumina, 0,18 gramas de substâncias orgânicas, 0,74 miligramas de gorduras e 0,497 miligramas de sal.

Foi isto que ocorreu quando Clark Gable beijou Vivian Leigh ali ao pé daquela escada em "O Vento Levou". Mas por que será que em certos beijos a gente sente que não está trocando nada, a não ser "a lot of germs" como diz a canção? Ou melhor, quando a gente beija ou vai para a cama com alguém que ama, o que a gente está trocando além dessa química?

A essas alturas percebo que devo tornar mais claro algo que está no subtexto desta crônica. Não sou contra que se estabeleçam a química e a fórmula do amor. Ao contrário. Em matéria de amor, vale a lei dos gourmets. Quem sabe a receita do que está comendo come com duplo prazer, com o paladar e com o cérebro. E quando todos tiverem na sua cartela de identidade a fórmula química de sua personalidade e de seu jeito de amar, os amantes poderão fazer variações incríveis. Se, sem saber as fórmulas já conseguimos banquetes inolvidáveis, imaginem ver no cardápio amoroso a prescrição do que degustaremos na cama e mesa!

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